Dr. Max Cohen, economista da Fecomércio AM
Quando o Presidente Donald Trump anunciou um plano para impor tarifas de até 60% sobre produtos chineses e 10% sobre o restante do mundo, a comunidade internacional reagiu com cautela. Para muitos economistas, trata-se do “Brexit americano” — um movimento que pode marcar o fim da era da globalização liberal em favor de uma nova ordem centrada no nacionalismo econômico e na soberania industrial.
No centro desse novo projeto está a figura de Stephen Miran, escolhido por Trump para presidir o Council of Economic Advisers. Em seu relatório publicado em novembro de 2024, Miran argumenta que o papel do dólar como moeda de reserva global impõe um custo desproporcional à economia americana, forçando o país a manter déficits em conta corrente e desindustrialização contínua. Para ele, tarifas seriam a resposta pragmática para reverter esse ciclo, e propõe um novo “Acordo de Mar-a-Lago” — evocando o famoso Acordo Plaza de 1985, mas com Trump em seu resort homônimo como protagonista. A equipe econômica de Trump sustenta que tarifas, se compensadas por desvalorização cambial nos países afetados, podem ser aplicadas sem provocar inflação nos EUA. A experiência de 2018-2019, segundo Miran, demonstrou que a China acabou “pagando” pela medida com um yuan mais fraco e exportações mais baratas, enquanto o impacto inflacionário foi quase nulo.
Mas o impacto dessa mudança não será sentido apenas em Washington ou Pequim. No Brasil, particularmente no Amazonas, a notícia gerou expectativa. Em nota técnica oficial, o Secretário de Estado de Desenvolvimento Econômico, Serafim Fernandes Corrêa, destaca que a nova política tarifária dos EUA pode representar uma “oportunidade significativa” para a Zona Franca de Manaus (ZFM), tradicional polo industrial brasileiro com forte vocação exportadora. Com a redução da competitividade de produtos asiáticos, setores como eletroeletrônicos, motocicletas e componentes produzidos na ZFM podem conquistar maior espaço no mercado norte-americano. A Secretaria estima ainda que empresas globais busquem alternativas fora da Ásia para manter competitividade, e a ZFM aparece como um destino natural para realocação produtiva, gerando emprego e renda na região.
No plano nacional, o Governo do Amazonas defende que o Brasil adote uma postura proativa para aproveitar a janela de oportunidade. A substituição de importações asiáticas por produtos brasileiros pode impulsionar a indústria nacional, desde que acompanhada por investimentos em infraestrutura, redução do “Custo Brasil” e capacitação da força de trabalho. A nota técnica também alerta para desafios: o risco de retaliações comerciais da China e limitações estruturais que ainda dificultam a expansão rápida da capacidade produtiva nacional.
Embora a visão de Miran sobre um novo arranjo cambial global ainda seja controversa entre economistas, sua lógica interna é clara: os Estados Unidos arcariam com menos custos para prover segurança global e moeda forte, enquanto seus parceiros — especialmente aliados que se beneficiam do acesso ao mercado americano — seriam chamados a dividir esse fardo por meio de tarifas e acordos bilaterais. Nesse contexto, tarifas não são apenas medidas econômicas, mas instrumentos geopolíticos.
A proposta de Trump não é isenta de riscos. Uma desvalorização abrupta de moedas como o yuan pode provocar fuga de capitais, instabilidade em mercados emergentes e rupturas nas cadeias de fornecimento globais. Além disso, a fragmentação comercial pode levar a um mundo mais polarizado, com zonas de influência econômica e barreiras protecionistas em alta. Ainda assim, para regiões como o Amazonas, o movimento pode representar uma rara inversão de papéis: sair da periferia da globalização para o centro de uma nova geopolítica produtiva.
O “Acordo de Mar-a-Lago”, se consolidado, pode ser lembrado como o momento em que os Estados Unidos decidiram abandonar o consenso globalista para redesenhar a economia internacional à sua imagem. Para o Brasil — e para a Zona Franca de Manaus — o desafio será transformar a turbulência global em oportunidade concreta. Como resumiu Serafim Corrêa, é hora de agir estrategicamente.