Por Pedro Câmara
Advogado
Algo que o ano de 2023 nos proporcionou foi um balaio de assuntos tributários, capazes de despertar a preocupação de qualquer empresário. Vejamos:
· Receitas financeiras: O novo governo federal, logo após sua posse, revogou decisões do seu antecessor, restabelecendo alíquotas maiores do PIS e da COFINS sobre receitas financeiras, no regime não-cumulativo. O plenário do STF manteve a cobrança das alíquotas restabelecidas por meio de liminar, em maio deste ano;
· CARF: O governo federal também propôs o retomo do voto de qualidade nas decisões do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), devolvendo aos auditores da Receita o poder de concluir embates de interesse da arrecadação. A iniciativa foi transformada na Lei 14.689/23;
· Subvenções para investimento: Em abril, o STJ decidiu que os benefícios estaduais de ICMS, considerados como subvenções para investimento, devem compor a base de cálculo do IRPJ e da CSLL. O tema tramita no Congresso, por meio de uma MP. O governo federal estuda flexibilizar as bases de sua proposta, a fim de minimizar os impactos às empresas e alcançar a aprovação necessária para permitir a cobrança a partir de 2024;
· JCP: O juro sobre capital próprio (JCP) é um instrumento utilizado pelas empresas para remunerar seus acionistas. Sua distribuição é considerada como despesa, podendo, por isso, ser deduzida na apuração do Lucro Real. O governo federal propôs, por meio do projeto de lei 4.528/23, que essa parcela passe a ser indedutível. Se o projeto for aprovado, seus efeitos valerão a partir de janeiro de 2024;
· Tributação de offshores e de outros investimentos no exterior: No final de novembro, o Senado aprovou o Projeto de Lei 4.173/23, trazendo mudanças na tributação do imposto de renda sobre Offshores, Fundos de Investimento no exterior, Fundos de Investimento exclusivo e criptomoedas. Os investidores passam a declarar esses investimentos e estão sujeitos a uma tributação anual de 15% (quinze por cento);
· Reforma Tributária (RT): O tema virou a pauta prioritária do governo federal, com a promessa de simplificar o atual sistema, atrair investimentos externos, acabar com a cobrança em cascata dos tributos e promover justiça tributária. O texto hoje está na Câmara dos Deputados e deve ser aprovado ainda este ano. Em razão de sua amplitude, é interessante trazer mais detalhes sobre a RT.
Muitas dúvidas cercam a eficiência dessa Reforma, a começar pela própria simplificação, que demandará tempo para ser experimentada. Durante o período de transição, os empresários terão que administrar dois sistemas simultâneos: o atual e o IVA dual.
Caso aprovado o texto da PEC 045/19, as modificações constitucionais serão regulamentadas por Leis Complementares. Ou seja, a RT não é autoaplicável e precisará de uma segunda fase de negociações para ter regras concretas.
Um dos temas relegados à Lei Complementar é o fim da guerra fiscal, defendido pela adoção de uma alíquota única para bens e serviços, bem como pela tributação no destino. Acontece que não há uma alíquota definida no texto da PEC. Mas há a expectativa do IVA dual brasileiro ser o maior entre a centena de países que o adotam, com aproximados 27,5% (vinte e sete vírgula cinco por cento).
O IVA, em sua essência, funciona pela isonomia que proporciona entre os diversos segmentos, garantindo uma tributação menor apenas para setores considerados essenciais à população de baixa renda. No Brasil, contudo, esse critério passou do ponto, privilegiando inúmeras atividades por justificativas diversas ou lobbys. Quanto mais concessões forem garantidas, maior será o esvaziamento da função do IVA, motivo por que sua alíquota, no Brasil, corre o risco de ser exorbitante. Alguém pagará essa conta em benefício de outros.
Por tudo isso, ainda é cedo para se ter certeza quanto à efetividade dos objetivos almejados pela RT, inclusive a tão falada justiça tributária.
No Brasil, perdura a cultura de transferir aos contribuintes o descontrole dos gastos governamentais, seja pelos desvios de finalidade, seja pela falta de planejamento, e isso se confirma com a admissão do atual governo federal sobre a necessidade de atingir R$ 168 bi (cento e sessenta e oito bilhões de reais) em novas arrecadações em 2024, a fim de atingir sua meta de déficit zero.
Todas as medidas relacionadas nesse artigo fazem parte desse pacote das novas arrecadações.
E se você acha que 2023 foi o ano do nosso “Rebuliço Tributário”, acredite: 2024 será ainda pior! Além das citadas regulamentações por Leis Complementares, e do início da tributação do que for conquistado pelo governo em 2023, será instaurada no Congresso Nacional a segunda fase da RT, ou seja, a reforma do imposto de renda., o que poderá incluir a tributação dos lucros e dividendos, hoje isentos do IRPF.
A conclusão, a partir dos cenários de 2023, é que o Brasil está longe de ser uma nação simplista em suas regulações tributárias. Se, por um lado, o governo federal acredita realmente na simplificação como aposta de maiores investimentos externos, por outro ele está esquecendo que a carga tributária, se continuar elevada, pode promover um efeito contrário.