Por Pedro Câmara Junior - Advogado
Ano novo, medidas novas?!
Em 2023, vivenciamos o empenho do governo federal em aumentar sua arrecadação, atingindo em especial o meio empresarial, com destaque às subvenções para investimento (incentivos estaduais de ICMS), a tributação de segmentos até então desonerados, a exemplo das offshores, e a Reforma Tributária.
O citado empenho está longe de esmorecer.
No último dia 28 de dezembro, o Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou novas medidas econômicas, sob a justificativa, mais uma vez, de equilibrar as contas públicas. Foram três os focos:
A) O limite à compensação de créditos tributários;
B) A revisão dos benefícios do PERSE, atingindo o setor de eventos; e
C) O fim gradual da desoneração da folha de pagamento.
Essas medidas entraram em vigor com a publicação de medida provisória 1.202/23 em 29/12/23, sendo submetida ao Congresso Nacional, que poderá aprová-la ou não (já podemos prever novas emendas parlamentares).
Nesse artigo, vamos abordar apenas o primeiro item, isto é, a pretensão governamental em limitar a compensação dos créditos tributários, partindo de um questionamento: O governo quer dificultar o exercício de um direito garantido aos contribuintes, mas, ao mesmo tempo, não faz sua lição de casa quanto aos gastos públicos?
Primeiramente, vamos entender a extensão da nova medida.
A MP nº 1.202/2023 altera a Lei nº 9.430/1996 nos seguintes termos:
“Art. 74-A. A compensação de crédito decorrente de decisão judicial transitada em julgado observará o limite mensal estabelecido em ato do Ministro de Estado da Fazenda.
§ 1º O limite mensal a que se refere o caput:
I - será graduado em função do valor total do crédito decorrente de decisão judicial transitada em julgado;
II - não poderá ser inferior a 1/60 (um sessenta avos) do valor total do crédito decorrente de decisão judicial transitada em julgado, demonstrado e atualizado na data da entrega da primeira declaração de compensação; e
III - não poderá ser estabelecido para crédito decorrente de decisão judicial transitada em julgado cujo valor total seja inferior a R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais).
§ 2º Para fins do disposto neste artigo, a primeira declaração de compensação deverá ser apresentada no prazo de até cinco anos, contado da data do trânsito em julgado da decisão ou da homologação da desistência da execução do título judicial.” (NR)
A ideia lançada por Haddad objetiva limitar o poder de compensação, derivado de decisões judiciais, em até 30% (trinta por cento) do que o contribuinte teria direito em compensar a cada exercício financeiro.
No mais, o governo federal quer definir o tempo máximo em que o crédito poderá ser utilizado, estabelecendo uma graduação conforme o valor envolvido. Segundo comentários do Secretario da Receita Federal, um crédito de R$ 10 milhões poderá ser utilizado em até duas oportunidades somente.
Se refletirmos que esses créditos derivam de pagamentos realizados a maior, ou seja, de valores que a União recebeu indevidamente, utilizando-os para a cobertura indiscriminada de seus gastos, por que os contribuintes, após anos de batalhas judiciais, não poderão utilizar seus créditos conforme suas necessidades?
Hoje, não há lei que limite a utilização desses créditos judiciais por meio de compensações, seja quanto aos valores, seja quanto ao tempo.
A Receita Federal, administrativamente, tentou estabelecer um prazo de 05 (cinco) anos para que o crédito tributário fosse plenamente utilizado, por meio do Parecer Normativo COSIT nº 11/2014.
Por esse ato administrativo, que não tem força de lei, se uma empresa teve o reconhecimento judicial de R$ 10 milhões em créditos tributários, terá até 05 anos para compensá-lo com sua tributação futura. Se nesse período a sua carga tributária for menor do que o crédito deferido, ela perderá, automaticamente, o direito de aproveitar o saldo residual.
Tal ato administrativo, contudo, invadiu uma competência que só cabe à lei definir: a prescrição do contribuinte quanto à utilização de seus créditos tributários.
Por isso, empresas que se viram prejudicadas com a definição até então estabelecida pela Receita Federal ingressaram na Justiça e conseguiram a utilização de seus créditos além dos cinco anos.
Com a publicação da MP 1.202/23 as limitações terão, agora, força de lei, ainda que em caráter provisório. Se o governo conseguir aderência no Congresso Nacional, tornar-se-á lei em definitivo, driblando a fragilidade do que era regulado pelo ato administrativo mencionado. Xeque-mate 1!
O discurso por trás da medida é o do planejamento do resultado primário e a organização financeira da União.
Ocorre que, por trás do “equilíbrio” perseguido pelo Ministro, identificamos: (i) o aumento da despesa pública e (ii) uma conta pesada a ser paga pela iniciativa privada.
Conforme dados divulgados pelo IPEA em outubro de 2023, a despesa pública aumentou em mais de R$ 70 bilhões entre janeiro e setembro do ano passado (um aumento real de 5,1% sobre o mesmo período do ano anterior), dos quais 38,9% foram destinados a gastos discricionários, ou seja, não obrigatórios. Estamos falando de aproximados R$ 28 bilhões.
Com a publicação da MP 1.202/23, estabelecendo limites à compensação tributária pelos contribuintes, o governo federal visa economizar mais de R$ 20 bilhões nesse ano de 2024. Xeque-mate 2.
Fica clara a cultura cíclica do Estado brasileiro em bancar seus excessos com aquilo que arrecada de empresas e cidadãos. O governo atual, infelizmente, não se desvencilhou dessa prática. Ao contrário, intensificou-a.
Se a intenção real com todas as medidas propostas ao longo de 2023 for a melhor organização e o equilíbrio das finanças públicas, elas não terão o poder isolado de equalizar a balança em benefício da população.
Para que isso aconteça, o governo federal precisará encampar a Reforma Administrativa, com destaque aos supersalários recebidos por funcionários de todos os Poderes, que driblam o teto constitucional, limites aos cargos em comissão, avaliação de desempenhos funcionais e outras regras antipáticas ao funcionalismo público federal, mas essenciais à eficácia dos serviços da rede pública, bem como ao bolso dos cidadãos.
Afinal, a balança deve pender em favor do povo e não dos interesses dos representantes do Estado.