Por Pedro Cãmara Junior
É curioso pensar que o discurso governista por trás da Reforma Tributária clamou por duas grandes bandeiras, quais sejam (i) a simplificação e (ii) o incentivo à economia nacional, modificando as regras dos chamados “tributos sobre o consumo”, com a justificativa de fomentar o acesso da população aos produtos e aos serviços ofertados pelo mercado.
Porém, no período que precede à transição ao novo sistema, prevista para iniciar em 2026, o Governo Federal segue na contramão das suas próprias premissas, revelando não só uma condução desconexa ao seu discurso, mas, também, o seu cansativo interesse puramente arrecadatório.
Desse cenário, o cansaço está nos bolsos dos brasileiros, que, nem de longe, usufruem do resultado digno dessa arrecadação e que, após um ano e meio de mandato, continuam sofrendo com o alto preço dos produtos e serviços em geral.
Onde está o erro? O Executivo federal quer “arrumar a casa” às custas da iniciativa privada, sem fazer a sua própria lição, ou seja, sem revisar os seus próprios gastos, fixando como regra exigir tudo e dificultar a vida de quem empreende, sem pensar nos reflexos que esse comportamento causa ao cidadão comum.
A lista com exemplos dessa conduta é extensa, tendo o seu episódio mais recente com a edição da Medida Provisória (MP) 1.227, de 04 de junho de 2024, que motivou uma enxurrada de críticas ao Executivo federal, bem como a resistência dos parlamentares nacionais.
Do que a MP 1227 trata? Dentre outros assuntos, ela cria dificuldades a empresas de todos os segmentos para compensar créditos que possuem contra o próprio governo. É como se alguém devesse e o devedor ditasse normas de como a dívida pode ser quitada, condição que caberia, naturalmente, ao credor.
Antes dessa MP, créditos de PIS e COFINS de empresas tributadas pelo lucro real (onde se concentram os maiores produtores do país) poderiam ser compensados com diversas obrigações tributárias geridas pela Receita Federal do Brasil, dando amplitude a esses empresários para a liquidação dos seus tributos. Com a MP 1227, a regra mudou e os créditos de PIS e COFINS só poderão ser compensados com obrigações de PIS e COFINS.
Ao propor essa medida, o governo sustentou não haver acréscimo de carga tributária, mas omitiu que tal limitação surpreendeu os empresários, os quais, no apagar das luzes, foram proibidos de efetuar compensações financeiras que tem o mesmo efeito jurídico de um pagamento, obrigando-os de imediato a desembolsar dos seus caixas valores que, até então, não precisariam ser usados com essa finalidade.
Isto porque, além de tudo, o governo federal desrespeitou nesta MP a regra constitucional da noventena, ou seja, o princípio que exige um período de 90 (noventa) dias antes que uma nova regra tributária passe a viger, quando ela importa em um desembolso maior aos contribuintes.
Ficou tão óbvia a postura do governo contra os empresários que o Presidente do Senado promoveu uma rara devolução da MP ao Executivo, a fim de ajustar seu texto, fazendo respeitar, ao menos, a mencionada noventena, suspendendo, com isso, os efeitos imediatos da nova regra.
A repercussão sobre o assunto segue sendo ruim, com o governo sendo atacado pelos principais meios de comunicação (afetados com a proibição compensatória) e por toda iniciativa privada, ao ponto daquele admitir mudanças que irão além do período de vigência.
De tudo isto, importa refletir sobre quais mensagens são extraídas com essa postura quase inquisitória do governo federal: da vez que transmite à classe empresária a responsabilidade por todo e qualquer desequilíbrio orçamentário, o governo abstrai a autorresponsabilidade com seus gastos e considera, no plano de fundo, os empreendedores como os responsáveis pelas mazelas das diferenças de classes, numa ideologia ultrapassada e superada pelas maiores economias mundiais, que, ao contrário, estimulam o empreendedorismo e as grandes empresas, considerados como impulsionadores de resultados econômicos, geradores de empregos e estimuladores da circulação de riqueza entre suas fronteiras.
Ademais, a postura extraída desse comportamento dificulta a redução dos preços, pois é através deles que são repassados à população todos os custos e dificuldades governamentais dirigidos aos produtores, comerciantes e prestadores de serviços, em especial os custos de natureza tributária, que hoje não são revelados ao se efetuar uma compra ou ao se contratar um serviço, falta de transparência que deve mudar com a implantação da reforma.
Em uma época que se fala tanto em retrocesso, a postura governista, no campo da economia, merece idêntica classificação, da vez que repete erros do passado, mantendo despesas desnecessárias e de alta monta, mas, principalmente, desincentivando todos os setores da economia brasileira.