Pedro Câmara Junior, Arthur Oliveira Reis - AdvogadoNa última semana, foi pautada a votação de destaques do Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 108/2024, na sessão que acabou por ser adiada pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, por conta do impasse com o STF a respeito das “emendas Pix”.
Apesar de não ter ocorrido a votação, é importante que analisemos a Proposta de Tributação da “Destribuição (des)proporcional de lucros” em Sociedades Limitadas.
A referida mudança, desde que inicialmente proposta, tem preocupado em grande escala os tributaristas que atuam com planejamentos sucessórios e organizações empresariais.
O ponto fulcral da controvérsia, ainda a ser analisado pelos Deputados Federais, seria o “alargamento do conceito de doação”, com a conseguinte incidência do ITCMD sobre distribuição desproporcional de dividendos, sem prova de propósito negocial — operação que hoje não é tributada.
Antes de entrarmos no mérito da tributação de lucros e dividendos “desproporcionais” pelo ITCMD, é importante ressaltar que essa nunca foi pauta da tão famosa Reforma Tributária, aprovada em dezembro do ano passado, com a promulgação da Emenda Constitucional n. 132/2023.
Na origem do projeto da reforma tributária (PEC’s 45 e 110), não se buscou uma reforma totalmente ampla e irrestrita do Sistema Tributário Nacional, mas sim uma reforma da tributação sobre o consumo, ou seja, tão somente quanto aos tributos que incidem sobre as referidas operações, que, diga-se de passagem, já possuem complexidade suficiente para se promover a regulamentação.
A reforma, nesse sentido, como já é de amplo conhecimento, unificaria os seguintes tributos: O Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, o ICMS - estadual; o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza, o ISSQN – municipal e o Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI ; esses três seriam substituídos pelo Imposto sobre Bens e Serviços – o IBS , de competência compartilhada entre estados e municípios, agora já positivado no art. 156-A da Constituição; ainda, haveria a unificação da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS e da Contribuição ao Programa da Integração Social - PIS , a serem substituídas pela Contribuição sobre Bens e Serviços - CBS , de competência da União e agora positivada no art. 195, V, da Constituição Federal.
Pois bem, como se observa, não havia proposta sobre mudanças na tributação sobre patrimônio ou sobre a renda, o que ficaria para uma posterior “segunda” reforma tributária, atinente somente a este último tema.
Ocorre que, desde o avanço – bastante – acelerado dos debates da PEC 45 e da PEC 110 (origens da reforma tributário), se desvirtuou, em diversos sentidos, o intuito originário da reforma tributária, qual seja: simplificar a tributação sobre o consumo.
Para além de ser duvidosa a simplificação da tributação do consumo, os parlamentares trouxeram diversos temas que em nada tinham a ver com a proposta originária da Reforma Tributária, o que, por lógica, ocasiona dispersão nos debates sobre a mudança da tributação, assim como dificulta e tende a empobrecer a análise sobre uma já tão desafiadora reforma sobre o consumo.
Contextualizada e identificada onde se situa a proposta sob exame, analisemos então o mérito da nova proposta de tributar lucros e dividendos “desproporcionais”.
A “distribuição (des)proporcional de lucros ou dividendos” ocorre quando os dividendos não acompanham a participação dos sócios nas empresas, ou seja, não há uma distribuição proporcional para com o que consta do contrato social da empresa.
Em companhias familiares, essas distribuições podem ser utilizadas para que os controladores recebam, em relação a sua participação, menos ou mais dividendos que outros familiares, sendo uma forma indireta de repassar participação na empresa, sem incidência de ITCMD .
Hoje, essa prática não é vetada nem tributada, sendo adotada por empresas de forma geral como mecanismo legítimo de remuneração, similar a um bônus.
Com a mudança (tributação ), no entanto, deverá haver judicialização, pois constata-se que esse é um importante mecanismo manejado em planejamentos sucessórios e que, a partir de uma possível aprovação no Congresso Nacional, poderão passar a ter a incidência do ITCMD .
Sobre o fato gerador do ITCMD, este provém ou da ‘causa mortis’ ou da doação. No caso em análise, estaríamos tratando do instituto da doação que, segundo o art. 538 do Código Civil: ““Considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra”.
Assim, seria necessário um contrato em espécie entre o doador e o donatário, com a transferência de um para com o outro, sob o pretexto da liberalidade.
Ora, o que ocorre na distribuição de lucros e dividendos é referente às normas de direito comercial, não havendo qualquer relação bilateral, sendo esta, multilateral; sendo ainda, todas as normas regidas pelo disposto no contrato social, totalmente distinto de um contrato de doação, além, é claro, de não haver, no caso de distribuição de lucros, deliberação para fins de doação pois, repise-se, trata-se de uma disposição expressa e legalmente fixada no âmbito do contrato da empresa ou do contrato social da holding, por exemplo.
O art. 110 do Código Tributário Nacional ainda nos ensina que: “A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal (...) para definir ou limitar competências tributárias”, o que, mais uma vez, reforça a ausência de legalidade da proposta dos deputados em tributar lucros e dividendos pelo ITCMD.
É importante informar também que todas as empresas podem ser atingidas com essa tributação; isso porque o artigo 164 do PLP 108/24 estabelece que são consideradas doações, para fim de incidência do ITCMD , atos societários que resultem em benefícios desproporcionais para sócio ou acionista praticados por liberalidade e sem justificativa negocial passível de comprovação, incluindo distribuição desproporcional de dividendos, cisão desproporcional e aumento ou redução de capital a preços diferenciado.
A regra vale para transmissões entre pessoas vinculadas e o texto não deixa claro se “pessoas vinculadas” seriam apenas familiares, podendo-se presumir que pode atingir também, grupos econômicos.
Igualmente não se sabe sobre o que será o “propósito negocial” estabelecido no PLP 108/24, quando vier a ser efetivamente interpretado pela Receita Federal.
Como dito, não há qualquer veto nos dias atuais para distribuição desigual de dividendos e o mecanismo é utilizado, por exemplo, pelas empresas ao remunerarem administrador que também é sócio, de modo a tributação sugerida teria forte impacto negativo sobre milhares de operações pelo nosso país.
Os planejamentos tributários com holding , por exemplo, cada vez mais difundidos no âmbito dos planejamentos sucessórios, se dá – também - por intermédio dos tais dividendos desproporcionais, principalmente nos planejamentos familiares.
Ademais, as empresas “regulares” também realizam a distribuição desigual de dividendos, bem como a cisão desproporcional e aumento ou redução de capital a preço diferenciado.
Pelo exposto, em linhas conclusivas, entende-se que, caso aprovada a tributação sob análise, haverá um indistinto impacto ao setor empresarial como um todo, sob uma justificativa exclusivamente arrecadatória e que, sem dúvidas, acabará acarretando em evasão fiscal (prática ilícita de escapar da tributação ).
Além do mencionado acima, a tributação dos dividendos desproporcionais tende a dificultar, em muito, o estabelecimento de holdings e empresas familiares, impactando direta e negativamente a economia brasileira nesse espectro e, nesse sentido, insurgir ainda mais a “fuga” patrimonial e econômica dessas operações a outros países que não o nosso.
Isso tudo, a nosso ver, não soa adequado e padece de busca por uma efetiva justiça fiscal, pois o sistema posto, por si só, já é bastante regressivo; o que se vê é apenas mais uma tentativa de reforçar indistintamente o pleito arrecadatório do Executivo federal, sob um cenário no qual não havia qualquer foco ou atenção na reforma da tributação sobre a renda ou patrimônio, como no caso examinado, onde se deveria efetivamente focar verdadeiramente na tão almejada simplificação e aprimoramento do Sistema da Tributação brasileira sobre o consumo.