Por Pedro Câmara Junior - Advogado
A retórica, compreendida como o manuseio de argumentos, concentra um imenso alcance. Quando aplicada de maneira eficaz, serve tanto ao equilíbrio como à manipulação. Cria teses, estabelece verdades, desmente, convence.
Kelsen, um dos maiores pensadores do Direito, a definia como a lógica jurídica, ou melhor, a embasada disputa de ideias, onde do contraditório se alcança a melhor solução.
Mas, em tempos de informação e pensamento velozes, o debate pode perder espaço para argumentos imediatistas, capazes de definir fatos e a própria história.
Quanto poder, não? Ou seria uma arma?
Não foi à toa que o avanço tecnológico soube integrar a retórica às suas dinâmicas. As redes sociais, enquanto maiores expressões do mundo moderno, perderam a essência do simples convívio virtual para avançar como palco de discussões e da polarização, onde cabe todo tipo de pensamento.
As “Big Techs” passaram a disputar pelo melhor algoritmo, isto é, aquele que soluciona o conflito de cada um, atendendo a anseios, alimentando egos, fomentando crenças. E desenvolveram essa disputa com a eficiência que serve tanto aos mercados dos variados segmentos, como a questões que influenciam em nossas rotinas, a exemplo de regras de saúde, bem-estar e a própria política.
Foi aí que a retórica se tornou um grande cesto, onde tudo é jogado para que cada um de nós encontre suas respostas, sem a necessidade de grandes questionamentos. Simplesmente aplicamos o que nela encontramos e nos conforta. Tudo isso com um grande trunfo: poucos enxergam o quanto são influenciados.
Quanto poder, não?
No campo político, o argumento tecnológico passou a definir eleições, levando a melhor quem sabe dominar as redes sociais. E isso não significa ganhar o sufrágio. A vitória pode vir pelo avanço de pequenos grupos e dos seus princípios ou pela manutenção da grande influência de quem, temporariamente, perdeu um cargo definido pelo voto.
Em resumo, quem detém uma rede social é dono de um alcance inimaginável, seja sob o aspecto financeiro, seja pelo modo como influencia o inconsciente de todos nós. Tem o poder de tanto construir o imaginário como desmistificar a concepção da ordem social.
Por isso, surgiu como prioridade às instituições o controle desse poder quase infinito. Afinal, ele serve a todo tipo de discurso e pode flutuar conforme a conveniência de quem o detém. Entenda-se por conveniência quem o patrocina ou lhe garante cada vez mais espaços.
Nesse aspecto, Moraes, ao proibir a veiculação de algumas contas da Rede “X”, atinge um interesse claro de Musk, que quer servir ao anseio de todos, às respostas que alguns procuram e precisam, sejam elas certas ou não. Quando perde essa ferramenta, o seu império é colocado em xeque.
Qual é o “dono da bola” que gosta de ser contrariado?
Aqui, cabe uma reflexão: Será que Musk é o herói que muitos assim qualificam ou ele é um grande empresário? Quer ele, realmente, defender a “liberdade de expressão” ou está buscando apenas manter a viabilidade do seu negócio?
É tolice pensar que isso diz respeito apenas ao Brasil. Ele irá qualificar de censura, em qualquer país, tudo o que for impeditivo da essência da rede que detém. A diferença é que, talvez, ele seja mais ousado que outros empresários do mesmo segmento, usando o seu grande poder para desafiar, claramente, instituições convencionais.
A questão é que essas instituições também souberam manter a iminente força dos seus poderes, aprendendo com os percalços que enfrentaram. São compostas, igualmente, por “donos da bola”, que sabem utilizar suas prerrogativas para manter a ordem social que é aceita. Eles possuem uma característica que Musk não tem: a legitimidade do Estado.
Enquanto esse poder legítimo for mantido, são eles que detém a maior força, inclusive a de limitar a atuação da Rede “X” no Brasil.
É uma guerra de braços, vencida não pela melhor retórica, mas pela composição dos interesses de quem comanda as instituições. As redes sociais, ainda que queiram, não se tornaram um quarto poder.
Moraes, talvez, seja apenas o artilheiro dessa composição, isto é, aquele que, na arte da guerra, vai a frente de seu pelotão, abrindo espaço para os demais.
Com esse papel, ele adota posições antipatizadas por quem consome a retórica contrária, num contexto de polarização massiva que o rejeita. Porém, no exercício do seu cargo público, defende o controle do que é nocivo à democracia, o que inclui as denominadas “fake news”. É o que sua retórica defende.
E, com isso, retomamos o núcleo deste artigo: o poder do argumento.
Quem tem a razão? Quem conhece mais da constituição e das leis brasileiras? Quem está nesse conflito pelo poder em si mesmo e/ou pela ganância? São tantos os questionamentos que a lição de Kelsen, apesar de secular, ganha força: não há solução adequada sem um debate profundo e sério, que objetive compor, verdadeiramente, os conflitos da nossa sociedade.
Isso importa em consumir menos verdades imediatistas, isto é, aquelas sem embasamento. Precisamos elevar o nível da discussão, fomentar o intelecto do povo, em busca dos seus reais interesses. Enquanto não se sai dessa bolha, vamos delegar a verdade (a nossa verdade) a quem detém o poder e a melhor retórica, de forma legítima ou não.