Artigo - Copo meio cheio

Artigo - Copo meio cheio

Rodemarck de Castello Branco - economista, professor do Departamento de Economia e Análise da UFAM

Estamos comemorando os trinta anos do Plano Real, o mais importante programa de estabilização macroeconômica do Brasil. Não apenas derrotou a hiperinflação brasileira, como tornou mais transparentes outros problemas econômicos e reverteu expectativas quanto ao futuro do país. Além disso, a preservação da inflação sob controle foi incorporada ao DNA da sociedade brasileira, que penaliza qualquer governo que adote políticas econômicas que ameacem essa conquista.

O tripé macroeconômico, composto pela meta de inflação, câmbio flutuante e equilíbrio fiscal, tem sido adotado nas últimas décadas independente da coloração ideológica da administração federal, possibilitando a manutenção da estabilidade econômica. Quando há tentativas de burlar o equilíbrio fiscal, a piora das expectativas dos agentes econômicos e o aumento da inflação pressionam para ajustes na gestão fiscal. A população não mais aceita altos níveis de inflação, mesmo aqueles que não viveram a inflação de 2.400% de 2003 - ano anterior ao Plano Real.

Ao refletir sobre os trinta anos do Real, destaca-se a ausência de outras reformas estruturais necessárias para desarmar a armadilha do baixo crescimento do país: Reforma da Gestão Pública, Reforma Tributária, Equilíbrio das Contas Públicas, Reformas na Educação e uma Agenda de Abertura da Economia.

Essas reformas têm sido negligenciadas, devido à miopia resultante da cultura do imediatismo e ao medo de perda de privilégios obtidos na atual ordem econômica e na forma de organização da administração pública. Isso torna nebuloso o futuro do país, que está perdendo oportunidades ímpares que surgem em uma era de mudanças nos paradigmas tecnológicos, que disseminam alterações estruturais na economia mundial. Por outro lado, é crucial reconhecer que a agenda de reformas está umbilicalmente ligada às políticas de inclusão social e redução das desigualdades sociais do país.

Finalmente, após décadas de debates, a Reforma Tributária está sendo aprovada, trazendo impactos na economia brasileira que rivalizarão com os 2 obtidos no Plano Real. Não tenho dúvidas de que, nas próximas décadas, celebraremos os ganhos obtidos com a implantação do novo sistema tributário de consumo. E nos perguntaremos: como foi possível manter um modelo tributário tão kafkiano por tanto tempo?

A Reforma Tributária é essencial para aumento da produtividade econômica e, consequentemente, para elevação do potencial de crescimento da economia brasileira. Ela romperá uma das principais armadilhas que o limitam: o complexo e caótico sistema tributário. No entanto, há uma preocupação constante no Amazonas, onde os incentivos fiscais são a principal vantagem locacional para atrair investimentos: quais serão os impactos locais de uma mudança profunda na estrutura da tributação do consumo?

A leitura do Projeto de Lei Complementar n. 68, de 2024, aprovado pela Câmara dos Deputados, nos deixa otimistas. A equipe técnica estadual, que atuou nos últimos dois anos analisando os impactos da reforma na ZFM, junto com a bancada federal do Amazonas, construiu mecanismos no IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) e na CBS (Contribuição Social sobre Bens e Serviços) que, de certa forma, mantêm as vantagens tributárias da ZFM.

Os novos níveis de incentivos fiscais propostos são ligeiramente inferiores aos atuais na maioria dos produtos fabricados, mas ainda são considerados significativos para manter e atrair investimentos. O Senado Federal, por sua vez, terá a oportunidade de aprimorar esses mecanismos, buscando mitigar as expressivas perdas enfrentadas por dois setores da ZFM: o comércio e segmentos da indústria de bens intermediários vendidos para fora da região.

O comércio da ZFM manteve as vantagens obtidas no Decreto-Lei 268 /1967, que isenta de IBS (esfera estadual) e CBS (esfera federal) as compras de mercadorias provenientes de outras regiões do país. No IBS, cuja alíquota prevista é de 17,7%, as compras interestaduais terão direito a um crédito fiscal presumido de 7,5% ou 13,5%, dependendo da origem da mercadoria. Essa condição é similar à obtida com o ICMS.

O diferencial estará na CBS (esfera federal) que unificará tributos atualmente não incidentes na comercialização de mercadorias na ZFM: IPI, PIS e COFINS. A alíquota prevista da CBS é de 8,8%, aplicada a todas as operações de 3 mercadorias e serviços comercializados na ZFM, resultando em um aumento de preços no mercado de Manaus. O ideal seria uma dinâmica similar à do IBS, onde as entradas de mercadorias destinadas ao comércio teriam direito a um crédito presumido de CBS.

Em uma análise preliminar, baseada em uma amostra de produtos, o valor a ser recolhido de IVA (IBS + CBS) será 14% maior, ocasionando um aumento médio de preços em torno de 2,5%. Outro impacto no comércio será na venda de bens produzidos em Manaus com incentivos fiscais. Atualmente, a alíquota de ICMS é de 7%, sem incidência de PIS e COFINS, ao longo do ciclo de vendas da indústria até o consumidor final. Na nova estrutura tributária, incidirão as alíquotas previstas de 17,7% de IBS e 8,8% de CBS, ocasionado um aumento médio do preço de venda em torno de 17%.

Para manter os incentivos que o setor comercial de Manaus desfruta desde o Decreto-Lei n.º 288, que estabeleceu as atuais bases para o funcionamento da ZFM, é essencial instituir o crédito presumido de CBS nas compras de mercadorias realizadas pelo comércio. Por outro lado, na indústria de bens intermediários, particularmente na produção de concentrados, que perderá o crédito ficto de IPI pelos adquirentes, a opção está no aumento do limite para 9% (que está em 6,5, no PLP N.º 68/24) para definição dos bens que terão alíquota zerada e, como consequência, obterão o direito ao crédito presumido de 6% no CBS.

É importante reconhecer que a ZFM preservou diferenciais tributários, uma grande conquista em um ambiente hostil aos incentivos fiscais. No entanto, são necessários ajustes para evitar perdas de competitividade em certos segmentos produtivos e para mitigar os impactos nos preços de bens no mercado de Manaus.