Artigo - ​Capital de Giro e Sobrevivência das Micro e Pequenas Empresas Comerciais

Artigo - ​Capital de Giro e Sobrevivência das Micro e Pequenas Empresas Comerciais


Rodemarck de Castello Branco – economista, consultor e professor da UFAM

Aproximadamente 25% das micro e pequenas empresas encerram suas atividades antes de completarem cinco anos. Dentre as principais causas da mortalidade dessas empresas destaca-se a insuficiência de capital de giro, que as impede de manter níveis de estoques adequados e oferecer prazos de pagamento mais elásticos aos clientes, resultando em impactos negativos no volume de vendas.

Devido à escassez de capital de giro, geralmente muitas empresas enfrentam desafios financeiros significativos, recorrendo a empréstimos de curto prazo que resultam em despesas financeiras elevadas. Como a maioria das pequenas empresas não consegue acessar ao crédito bancário, para contornar essa situação ajustam seus estoques de acordo com suas disponibilidades financeiras e antecipam recebíveis junto às operadoras de cartões de crédito. Quando chegam ao limite dessas estratégias, atrasam o recolhimento de tributos e o pagamento de obrigações financeira, numa espiral que geralmente leva à insolvência financeira.

Por outro lado, atuando em mercados altamente competitivos, onde a diferenciação de preços entre os produtos similares e mínima, as margens de lucro unitárias são reduzidas. Com escalas de venda limitadas, a capacidade de gerar um aumento significativo de lucro operacional é restrita, especialmente quando uma parcela substancial desses lucros é absorvida por despesas financeiras. Essa situação cria um ciclo restritivo, que limita a expansão do capital de giro através dos resultados do negócio.

Na estrutura financeira das empresas, as necessidades de capital de capital giro (NCG) são moldadas pelo ciclo operacional do negócio, abrangendo o período desde a aquisição da mercadoria até o recebimento das vendas. Para uma melhor compreensão desse conceito, é imperativo compreender que decorrem da seguinte equação: NCG = Necessidades Cíclicas menos os Recursos Cíclicos.

As necessidades cíclicas englobam os investimentos em estoques e em contas a receber dos clientes e as disponibilidades financeiras a manter em caixa e bancos. Por outro lado, os recursos cíclicos são originados de financiamentos espontâneos, obtidos dentro do ciclo operacional. Provêm tanto de fornecedores, através de prazos estendidos de pagamento, quanto dos prazos concedidos pelo governo para pagamento de tributos e encargos sociais.

O capital de giro pode ser calculado utilizando uma fórmula simples: (Patrimônio Líquido + Recursos de Terceiros de Longo Prazo) – Ativos Não-Circulantes. Essa equação busca quantificar os recursos disponíveis para sustentar as operações do dia a dia, excluindo os investimentos de longo prazo, como bens e direitos a serem convertidos em valor ao longo de um ano. Contudo, para as pequenas empresas comerciais, em um cenário em que parte dos lucros operacionais é destinada ao pagamento das despesas financeiras, é comum ocorrer um desequilíbrio entre o capital de giro disponível e a necessidade de capital de giro. Esse descompasso torna-se crucial para a sobrevivência do negócio.

Enfrentando consideráveis dificuldades para aumentar o capital de giro, que depende de influxo de capitais dos sócios e/ou de recursos bancários de longo prazo, as empresas optam por artificialmente reduzir suas necessidades de capital de giro. Isso é geralmente realizado através da diminuição dos níveis de estoques e da restrição dos financiamentos concedidos aos clientes (geralmente recorrendo ao adiantamento de valores a receber junto às operadoras de cartões de crédito). Embora essas estratégias empresariais possam resultar em limitações à capacidade de expansão do negócio, devido aos seus impactos nas vendas e na rentabilidade, representam as opções possíveis em um ambiente econômico marcado por taxas de juros elevadas e dificuldade de acesso ao crédito.

Uma estratégia mais vantajosa para as empresas seria aumentar os recursos cíclicos, destacando os financiamentos concedidos pelos fornecedores e governo, refletindo os prazos estendidos para o pagamento, concedidos para recolhimento de tributos. No entanto, a viabilidade de ampliar os prazos de pagamento pelos fornecedores muitas vezes e inatingível, devido à falta de poder de barganha das pequenas empresas. Pelo contrário, observa-se uma tendência à redução desses prazos, impulsionada pela otimização dos recursos investidos pelas grandes corporações em seus próprios negócios.

Agravando esse cenário, as autoridades fiscais têm implementado medidas, como antecipações e reduções de prazos de recolhimento de tributos, como o DIFAL e a substituição tributária de ICMS (ST), contribuindo para aumentar as necessidades de capital de giro enfrentadas pelas empresas. Isso cria um ambiente desafiador, colocando as empresas comerciais de pequeno porte diante de um dilema complexo, onde encontrar soluções estratégicas para fortalecer seu capital de giro se torna tarefa cada vez mais crucial para a sua sobrevivência e crescimento em um mercado competitivo.

Sob a perspectiva governamental, a Substituição Tributária (ST), especialmente na modalidade subsequente (conhecida como “para frente” ou “progressiva”), tem o objetivo de antecipar o recolhimento de tributos em relação a um fato gerador que ainda não ocorreu. Essa abordagem é vista como uma medida eficaz para aumentar a eficiência na arrecadação, ao reduzir a sonegação fiscal. Sob a ótica empresarial, no entanto, esse regime fiscal exige um maior investimento em capital de giro, uma vez que o tributo é recolhido antes mesmo de receberem o valor da venda realizada.

Além dos efeitos negativos para as empresas da antecipação de tributos, a lucratividade do negócio é impactada pelas Margens de Valor Agregado (MVA) estabelecidas pelo órgão fiscal, que funcionam como base para calcular o valor da antecipação do pagamento de ICMS de produtos sujeitos à ST. Quando as empresas não conseguem repassar ao consumidor o valor do bem conforme definido pela MVA, acaba assumindo uma maior carga tributária maior. Esse impacto é sentido no fluxo de caixa e na redução da capacidade de aumentar o capital de giro por meio do autofinanciamento (recursos próprios gerado pelo negócio).

Em ambiente de reforma tributária, especialmente durante a fase de elaboração de novas normas e legislações, emerge uma oportunidade única para um amplo debate sobre os regimes de tributação que afetam adversamente as necessidades de capital de giro e a lucratividade das pequenas empresas. É essencial que as políticas tributárias sejam ajustadas para promover um ambiente mais favorável ao crescimento e sustentabilidade dos negócios de menor porte.